Família e Delinquência

Toda criança nasce em algum tipo de família, hetero, homo ou uniparental, através de um método natural, artificial (inseminação) ou “barriga de aluguel”. Nessa família ―independente da classe social ―ela vai se desenvolver da melhor ou pior maneira ou será entregue, em algum momento, para adoção por meios legais ou não legais a outras famílias, ou ainda, para instituições públicas, aonde poderá permanecer, caso não seja adotado por algum tipo de família, até alcançar a maioridade legal. Assim, a família, qualquer que ela seja, vai moldar ― com a sua influencia e o meio social no qual está mergulhada ― a criança e o adolescente constituindo a argamassa da sua identidade, a qual cognominei de “matriz familiar”. Essa será um carimbo resultante das relações familiares na infância e na adolescência, que lhe marcará para o resto da vida, para o bem ou para o mal, em função dos eventos que acontecerão no desenvolvimento dessa família nas diferentes etapas de sua vida.

O que ocorre hoje, não é uma surpresa, do ponto de vista familiar, mas, sim, uma atualização de um passado no presente. Dessa maneira, o comportamento de uma criança ou de um adolescente não é o resultado de fatores genéticos, biológicos ou hereditários ―que lhe conferirá um determinado temperamento. Ele é o produto de uma mistura familiar de pelo menos três gerações: avós, pais e filhos, que confluirão naquele filho, de acordo com seu gênero, ordem de nascimento, a estruturação familiar e eventos que cercam seu desenvolvimento. Estabelecidas essas premissas, qualquer diagnóstico psiquiátrico individual ou avaliar o indivíduo apenas em uma perspectiva individual é equivocada.

Deixará de vê-lo numa perspectiva relacional ou familiar para colocá-lo em uma visão individual, como se aquele ser não viesse e não vivesse em algum tipo de família original ou substituta e não tivesse uma história anterior. Não há a menor dúvida que em determinados casos já existe uma patologia instalada e que necessitará de cuidados especiais (medicamentos, internação etc.) de forma temporária. Não devemos permanecer no diagnóstico individual, que é estático, rotulador e incapacitante, mas passarmos para o diagnóstico relacional, que é dinâmico e abre a possibilidade de recuperação daquele “bode expiatório” (que é o emergente de uma crise familiar). Isso é feito envolvendo, através da terapia familiar breve, todos os membros da família com os seus diferentes problemas no processo terapêutico.

Esse processo deve ser breve para que dê conta, de uma forma objetiva e focal, da questão, que está assolando a família naquela etapa de crescimento, para que a criança ou o adolescente retorne ao seu desenvolvimento normal. Quando surge alguma sintomatologia (clinica ou social) em uma criança ou adolescente sempre é fruto de uma dinâmica familiar que está disfuncional. A recomendação seria haver uma avaliação familiar a partir daquela sintomatologia individual com encaminhamento, se for necessário, para uma terapia familiar breve. Como a criança e o adolescente estão profundamente mergulhados na família, em todos os sentidos, não se justifica uma avaliação individual e uma terapia individual ou medicamentosa, salvo se existir uma situação emocional aguda. Estamos discorrendo sobre o que chamamos de prevenção secundária, enquanto o ideal seria haver um trabalho de prevenção primária. Essa seria realizada em escolas publicas e privadas, orfanatos, instituições públicas corretivas de menores infratores, delegacias, juizado da infância e da adolescência etc. Vejamos o caso recente do assassinato do cardiologista Jaime Gold por um ou vários menores: um dos suspeitos é de origem pobre que perdeu o pai aos 11 anos e a mãe condenada por abandoná-lo a própria sorte. Se essa situação familiar fosse avaliada e o filho, por exemplo, fosse encaminhado à um lar substituto temporário e a própria mãe submetida a um trabalho de recuperação emocional e reinserção familiar junto à sua rede —diante daquele desmantelamento familiar — talvez a história fosse outra.

A meu ver em vez da proliferação de abrigos, reformatórios, presídios, medicações psiquiátricas, terapias individuais, os poderes públicos e privados deveriam investir em Centros de Orientação e Atendimento Familiar, que poderiam ser autônomos e/ou localizados nas escolas tanto da rede publica quanto da privada. Esses Centros seriam assessorados por profissionais especializados em terapia familiar breve que capacitariam profissionais da área da saúde, educação, de segurança e jurídica para visualizarem e encaminharem um transtorno de comportamento individual como um transtorno de comportamento familiar.